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ACENO

Todo dia falavam-se. Um diálogo do olhar. Ele, cúmplice de sua cadeira; a outro, no carro. Buzinava e o senhor acenava.  Certa feita, decidiu-se pelas palavras. Em um desses rotineiros cumprimentos, abandonou o veículo. Resolveu transgredir o hábito. Não queria só o aceno. Parou, desceu e caminhou até o senhor. "Tudo bem"? "Tudo". Trocaram palavras constrangidos, inicialmente. Depois, naquela tarde, o diálogo sentou-se entre eles, na varanda, e os fez ter uma bela conversa. Nem viram o tempo passar. No outro dia, ao acordar, o jovem paralisou. O senhor tinha partido. Depois, do aceno, o descanso. Seu rosto não conteve uma lágrima.

ABRAÇO

Está vendo aquele menino? Há muito que pedia abraço. Anestesiado pelo ódio. Afogado na indiferença.  Um dia, um gesto delicado. Apaixonou-se pela menina da ONG. Voluntária(osa). Estendeu atenção. Um prato de amor o convocou. Aceitou-o. Mesmo sob o efeito da desconfiança, acolheu-o. Ela assistiu-o comer. Depois, um abraço forte. Ela, transpirando verdade. Ele, sujo de rua. Limpo de valores. Aí o (im)provável deu as caras: arma nas cabeças. Ele cuspiu raiva. Último abraço. Vida sepultada. Ela testemunhou a desgraça. Ele abraçou o piso de cimento, mergulhando no sangue jorrado.